AMOR PASSADO

Meus pêsames, querida - o nosso amor
agora mesmo acaba de morrer -
o seu último suspiro exalou
sem lágrimas, sem preces, sem sofrer...

Entre nós dois o tempo que passou,
passou quase parado, sem correr,
assim sem pressa alguma, terminou,
como termina todo entardecer...

Que vais fazer agora? - Eu te pergunto
Quem vai andar contigo na cidade,
beijar teus olhos, inventar assunto

Somente pra te dar felicidade?
Da minha parte, eu sei, sentirei muito,
pois sente mais quem sente mais saudade.

Gerson Campos / Oeiras, 21.07.72

DÚVIDA

As estrelas dos postes de cimento,
enchendo de clarão toda a cidade,
são mil círios velando o meu tormento
num velório de angústia e ansiedade.

Para que tanta luz e encantamento
se estou só? - Se para mim a claridade
mais claro me faz ver o desalento
da face amargurada da saudade?

Quero vê-la e não posso - Coisa incrível
se amar uma pessoa tanto assim,
notando que este amor é impossível...

Meu delírio é sentir que não tem fim,
a dúvida fatal, cruel, horrível,
de saber se ela gosta ou não de mim.

Gerson Campos / Oeiras - 19/ 07/ 72

(Este soneto, publicado no jornal "O Cometa"
Edição de Fevereiro/73, foi entregue na redação
pelo poeta poucas horas antes do seu repentino 
falecimento.)

BATE BOLA

Carlos Said

             O falecimento brusco de Gerson Nogueira Campos foi a nota triste na classificação do selecionado de Oeiras aos jogos finais do VI Torneio Intermunicipal Piauiense de Futebol.

             Nascido em 27 de fevereiro de 1934 e filho de Joel Campos e Maria de Jesus Nogueira Campos, Gerson sempre entusiasmou-se com o “association”. Ainda não havia completado 39 anos de idade, quando a morte foi buscá-lo em dia de gala e triunfo para o futebol de Oeiras, como se a classificação não bastasse para a euforia de quantos desejavam a epopéia de participar das finais, em Teresina.

             Cursou Ciências Sociais na Universidade Federal de Pernambuco. Ultimamente, era chefe do escritório da Telepisa, em Oeiras. Bastante querido por todos na ex-capital do Estado. Ainda em vida, exerceu o cargo de Chefe de Gabinete de ex-prefeito Juarez Tapety, de quem era primo. Deixou os seguintes irmãos: Dr. Gerardo Majella Campos, médico e Diretor do Hospital de Oeiras; Antônio Nogueira Campos, analista; Joel Campos Filho, Chefe da Receita Federal da cidade de Floriano; Amália Campos, professora; Rita de Cássia Campos, professora; Auristela; Aurora; Alice; Aldenora Campos.

              Em homenagem à bravura do desportista que, proibido de exaltar-se em benefício do futebol de sua terra natal, o vereador José Alves Teixeira, da Câmara Municipal de Oeiras, encaminhará projeto de lei solicitando a mudança de nome do Estádio do Leme para Gerson Campos.

              Evidentemente, far-se-á justiça a quem sempre mereceu homenagens pelo desprendimento e amor ao futebol, nunca largando a seleção de Oeiras, mormente agora, na fase mais importante do campeonato, quando Floriano, outra seleção candidata à classificação, adversária temida, procurava a vitória com o respeito que se deve dar ao jogo da bola.

            A Associação Profissional dos Cronistas Desportivos do Estado do Piauí (APCDEP), sente-se no dever de comunicar aos desportistas oeirenses, o luto que se mantém pela triste ocorrência. Aproveitando o instante de dor porque passa os familiares de Gerson Campos, sugerimos às outras seleções classificadas: Altos e Piripiri que prestem suas homenagens no campo de jogo à Oeiras pranteada e, ao mesmo tempo, colocar o nome do desportista falecido no troféu que será entregue à seleção campeã do Intermunicipal-72.


“Jornal do Piauí” – 14/02/73

MONÓLOGO DE UMA ROSA


                        Dizem que eu sou linda,
            Assim como um céu apinhado de estrelas,
            que a todos encantam tão somente em vê-las
            na amplidão infinda...

                        Dizem mais que isso,
            Que emana de mim um poder atrativo,
            aquele que olha tenho-o logo cativo,
            preso ao meu feitiço...

                        Dizem também,
            Que eu sou compenetrada, soberba, orgulhosa,
            que em mim não vejo a simples condição de rosa,
            quero ir além...

                        Dizem que me ofereço
            a enfeitar berços, presépios e altares,
            me tornando atração de todos os olhares
            quando apareço...

                        Muitas falas deitam,
            Que penetro em alcovas de reis, de rainhas,
            em sua intimidade, a pretexto que as minhas
            pétalas deleitam...
           
                        Que tenho calor,
            faço a vida vibrar entre dois namorados,
            minha presença faz com que apaixonados
            se exultem de amor...         

                        E falam de mim,
            Que tenho espinhos, que firo a mão que me afaga,
            aos que desejam é cruel a minha paga,
            perversa e ruim...

                        Maltratam-me tanto,
            que mesmo, às vezes, tenho raiva de ser rosa,
            que foi ingrata a natureza caprichosa
            ao dar-me esse encanto...

                        Serei tudo isso?
            Não. Sou simplesmente rosa e posso provar:
            Na tristeza de um túmulo – ornamento um altar.
           Estou no cortiço
            e em palacetes
            Como a filha do rico faustosa me tem,
            a do pobre me beija e afaga também...
            Estou em banquetes
            Partilho amarguras,
            Se em festa de gala, em festins opulentos,
            eu também sou presente sentindo os lamentos
            das ruas escuras...
            E quem me disputa,
            é a virgem que sonha de olhos abertos,
            é a triste que chora seus dias incertos,
            é a dissoluta...

                        Burguês e plebeu,
            honestos e ladrões, pecadores e santas,
            um cego me sente e meu perfume lhe encanta,
            Me quer o ateu
            e monges de toga.
            Se estou nos jardins do austero Vaticano,
            numa igreja ordotoxa, num templo anglicano,
            numa sinagoga,
            em nada me afeta...
            Como sirvo ao pintor, o escultor me admira,
            e notando o meu porte o maestro se inspira,
            me quer o poeta...

                        Os meus atrativos
            generalizam-se por todos os países,
            penetro nas masmorras, alegro infelizes
            e tristes cativos...
            Subo pelas serras,
            desço por campinas, em vales coloridos,
            em choupanas pobres, casebres esquecidos,
            por toda a Terra.

                        Sorte caprichosa!
            Que culpa tenho eu se Deus me fez assim?
            Sou simplesmente flor e nada tenho enfim,
            sou apenas uma ROSA.

Gerson Campos 

E A VIDA CONTINUA


Neste mundo tudo passa.
Passa a noite, passa o dia.
Passa a dor, passa a alegria,
Passa o riso e a desgraça,
As linhas que o mundo traça.
Tudo que o homem cultua
A terra, o sol, a lua,
Passa, gira, vai mudando,
As coisas se transformando
E a vida continua.

Gerson Campos


PENSANDO EM BEIJOS


Se eu pudesse alcançar o céu,
eu satisfazia o meu desejo
de sacudir duas estrelitas com um beijo...
Se eu tivesse tido a sorte
de ter vivido nos tempos da magia,
eu teria beijado a “Boca da Noite”,
bem muito, com demasia,
embora recebesse um açoite.
Se eu fosse alpinista,
subiria as alturas
sem parar, sem parar,
para o “Dedo de Deus” beijar...
Eu beijaria se encontrasse
em noites de luar,
os cabelos da sereia.
Eu beijaria a fria e fina areia do mar.
Eu beijaria até o “Cabeça de Cuia”,
que a lenda explora,
porque beijar é tudo que minha alma adora...
Beijo é carinho,
saber beijar é arte,
beijar quem está perto,
beijar quem vem,
beijar quem parte.
Eu beijo o sol porque ele é quente,
eu beijo a lua porque é bela,
o sol me torna uma brasa ardente,
enquanto a lua a minha boca gela...
Beijar a vida inteira, sem contar as vezes,
beijar de mansinho,
beijar com violência,
“pois nada se parece tanto com a inocência
como a imprudência”...
Eu beijo tudo,
o luar, o mar,
um rosto, o gosto de beijar,
o vento e o pensamento,
pois nada é nada sem um beijo,
e eu gostaria de beijar o próprio beijo...


Gerson Campos / Recife, 10/05/69

NOTA DE FALECIMENTO DO POETA, ESTAMPADA EM “O COMETA”, DE FEVEREIRO DE 1973, DA LAVRA DO REPÓRTER POSSIDÔNIO QUEIRÓZ.


Morreu Gerson Campos! Morreu Gerson Campos! Morreu Gerson Campos! Dizia uma voz, num crescendo aflitivo, ao longo da Praça Cel.  Orlando Carvalho. Era um moço que descia do Estádio Municipal, onde se acabara de dar o encontro pebolístico Oeiras-Floriano, e onde vira, minutos antes, vibrando, aplaudindo, incentivando os jogadores, o inditoso Gerson, agora morto.
A notícia era, infelizmente, verdadeira. O coração de Gerson, esse moço tão querido em nossa Oeiras, deixara de pulsar. Deixara de bater o coração ainda jovem, que procurou, e soube viver intensamente a vida.
Amigo de todos, de moços, velhos, crianças, e sobretudo de moças, tinha para todos uma palavra chistosa, em que o coração é que falava. Ninguém lhe queria mal aqui; todos o estimavam.
Morreu moço, na idade em que hoje se começa a viver. Amou intensamente a vida. Poeta de fina sensibilidade, cantou, um tanto a Epicuro, a alegria sadia das cousas boas deste mundo.
A saúde lhe vinha abalada. Esteve à morte em princípios de 1971. O coração amorável e idealista, de uns dois anos para cá, não resistia, então, à carga de emoções que lhe era imposta. Era bom, mas se lhe exigia que fosse muito melhor. Amava a muitos, mas se lhe pedia que se transformasse num amazonas de afeto, e amasse a todos. Essa carga lhe foi um peso demasiado.
A Ciência o salvou naquele tempo e lhe prescreveu dieta de menos amor, e mais repouso; que as emoções, como um veneno, também mata.
Gerson, o nosso caro Gerson; o companheiro do Instituto Histórico de Oeiras, a que emprestava o calor do seu idealismo; o colaborador ilustre de “O COMETA”, a que mandava seus versos inspirados; não obedeceu aos conselhos da Ciência. A vida para ele não era estagnação, repouso sem fim, que isso lhe estava sendo insuportável; mas movimento, bulício, luz, festas... E Gerson encontrou a morte.
Morreu Gerson! Seriam seis horas da tarde de hoje, 11 de fevereiro de 1973, quando desapareceu, fulminado traiçoeiramente pelo mesmo coração que lhe fornecera a vida.
Ao bom amigo Joel Campos, seu digno genitor; aos seus irmãos Dr. Gerardo Majella, casado com a Srª Carlota Campos; Antônio Nogueira Campos, casado com a Senhora Laurita Siqueira Nunes Campos; Professoras Amália e Rita Campos; Senhora Aldenora Campos Reis, casada com o Sr. Benedito de Macêdo Reis; Sr. Joel Filho, casado com a Senhora Lourdes Campos e demais familiares, envia “O COMETA”, a expressão sincera do seu profundo pesar.

D I V A G A N D O


A sombra de quem vê
é o resto de quem passa
seguindo desesperança!

No remo do bem querer
ao lado das mil desgraças,
embalos de vís lembranças:
  
                            Libidos,
                            Gemidos
                            Sentidos
                            Dormidos...
  
Manhã de sol outonado,
maré cheia de sargarços,
de carícia vento cheio.
  
Nos teus braços, descansado,
vou dormindo nos teus braços,
no balanço do teu seio.
  
                            Pantera
                            Quimera
                            Quem dera
                            Tivera...

Gerson Campos

TO BE OR NOT TO BE


Era pequeno, tinha fé, vivia
No leito amigo, no calor materno,
Com minha mãe, solene, repetia,
Hinos de amor e glória ao sempre eterno...
  
Mas vou crescendo, e deixo todavia
De lado, todo ensinamento terno.
O ceticismo, a fé se me anuvia:
Não penso mais no céu nem no inferno.

Ser ou não ser. Que tormento profundo!
Me aprofundei demais na fantasia,
Prazeres loucos, luxúrias do mundo...
  
Antigamente tinha fé, vivia.
Agora, cego, tíbio, moribundo,
Vagando vivo sem achar meu guia...

Gerson Campos 16.11.59

FUGA


Morrer quisera em teu regaço, ó linda!
Oh! bendita ventura das venturas!
Sentir quisera o teu amor ainda,
Teu corpo virgem de donzela pura. 

 Beijar quisera (Que vontade infinda!)
Teus olhos verdes, cheios de candura,
A tua boca que a sorrir deslinda
Amor, meiguice, pureza, doçura...
  
Mulher tormento, santa pecadora,
Por que agora foges assustada,
Se te mostrastes outrora tentadora?

Eu sei... é justo este teu pejo,
Foi que não dei em ti, minha adorada,
O meu primeiro, o meu eterno beijo...

Gerson Campos 08.10.53